O COACHING DA MISÉRIA

11/07/2018


Andava pela rua do meu bairro quando um pedinte me abordou com desenvoltura e gentileza invejáveis. Ali gesticulando bastante e parecendo singularmente animado.

Dei uma olhada rápida, e vi que ele e sua família estavam situados entre uma academia de ginástica de alto padrão, um centro comercial e um pequeno shopping do outro lado da rua. O local escolhido era passagem para muitos pedestres  e trabalhadores locais. Claro, aquela escolha não tinha sido à toa.

No primeiro contato visual comigo, e ainda a uma certa distância, começa a falar.

- Por favor, meu senhor, estou precisando comer hoje, não consegui nada ainda. Como deve saber a situação está muito difícil, e estou realizando este trabalho, com toda essa boa gente, a fim de conseguir um pouco de alimento. Será que poderia me pagar uma sopa naquela padaria?

Simplesmente neguei com um balançar de cabeça. Muito apressado me encontrava e mais apressado ainda fui saindo, mas ainda escutei do homem.

- Nós vamos ficar aqui a semana toda, nesse mesmo local, portanto fique à vontade da próxima vez. E não se esqueça, ficaremos muitos felizes com sua colaboração.

Pensei, "Puxa, uma nova modalidade de pedintes, o faz como se fosse uma prestação de serviços, com prazos promocionais e fidelização de clientes. Ainda assim, não deixou de ser um cenário muito triste."

Mas se eu acreditava que já tinha visto tudo, ledo engano. Ao voltar pelo mesmo caminho, menos apressado dessa vez, ouço o pedinte falar para a sua mulher, instruindo-a como se dando um treinamento, e isso para qualquer um ouvir.

- Você deve falar com mais entonação na voz, sem vacilar. Transmitir segurança no que diz, no que pede, só assim eles escutarão. Não adianta ficar com medo ou acanhada, pra quê serve isso? Afinal estamos na miséria mesmo e é tudo que nos resta. Não é possível que ela não sirva para alguma coisa. Como alguém vai lhe dar dinheiro ou comida se você ficar nessa vergonha toda, mulher? Pare com isso, tá chato!

A mulher meio sem graça, e talvez mais ainda por aquela admoestação em público, um pouco tremendo verbaliza:

- Mas eles ficam me olhando toda, me medindo toda...

- "Olhando toda", mas é claro que te olham, é preciso que te olhem. Nunca ouviu dizer que o corpo fala também. Pare com isso, deixe de ser orgulhosa... estamos na miséria, ela é nosso chão agora. Acabou as frescuras que já tivemos algum dia.

- Não é orgulho... você sabe, sou envergonhada mesmo.

Confessou ela, ficando um pouco apática e com um semblante triste. Ele parecendo apiedasse mais da companheira, maneirou o seu tom.

- Tudo bem, mulher. Apenas veja como eu faço, siga as minhas falas e atitudes e vá aprendendo. É o caminho. É simples. Não precisa baixar a cabeça, mas também não pode parecer orgulhosa. Trate bem a pessoa que passa, afinal ela pode nos ajudar e é isso que queremos. Não é vergonhoso lutar pelo pão de cada dia. No nosso caso é pedir mesmo, inclusive já tínhamos conversado sobre isso. Um prato de comida hoje é o que necessitamos hoje. Se vier mais, agradecemos. E amanhã pode ser melhor.

Carlos França

© 2017 Carlos França  
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